quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Involução das Línguas

Um tema relativamente comum em ficção científica são povos com tecnologias superevoluídas que viveram num passado distante e sumiram deixando apenas vestígios.

Este tema parece atrair bastante atenção dentro do gênero provavelmente por parecer irreal: normalmente a humanidade evolui em ciência e tecnologia, e não retrocede. Mas fugindo um pouco da ideia de tecnologias futurísticas, acredito que as línguas humanas se encaixam bem nessa descrição.


Explico. Ao longo do tempo, as línguas vão sofrendo mudanças de acordo com o jeito que as pessoas falam. Acontece que muitas vezes essas mudanças são meio inconsistentes - e daí surgem as irregularidades da gramática, onde antes havia apenas palavras perfeitamente comportadas.


Um exemplo pra ilustrar. Temos o verbo dizer, e sua forma conjugada digo - e não dizo. Não é assim por acaso. Há séculos, em latim, esse era um verbo regular: dicere (com c pronunciado como k), e conjugado na primeira pessoa dico. Aconteceu que com o passar dos anos, o entre uma vogal e um e se transformou em z. Mas o c antes de o passou por um processo diferente, virou g. Daí as duas formas evoluíram para o que são em português, causando uma irregularidade aparentemente aleatória.


E além da gramática, existem as metáforas que se tornam tão comuns que acabam adquirindo um significado próprio. Por exemplo, ignorante. Essa palavra vem do verbo ignorar, que significa desconhecer ou fazer de conta que desconhece. Não tem nada a ver com ser mal-educado, mas a forma como a palavra ignorante foi sendo usada ao longo dos anos acabou agregando esse significado. 


A tendência para os próximos séculos, provavelmente, seria as irregularidades aumentarem cada vez mais. Pequenas mudanças na forma como falamos vão ocultando os padrões regulares que existem por trás das palavras, seja na gramática ou no próprio significado. Parece meio assustador pensar isso, pelo menos para mim: com o passar do tempo, as línguas humanas se tornam cada vez mais caóticas.


Me pergunto se há uns 4000 anos atrás as línguas não eram mais fáceis de se aprender, mas apesar disso, duvido que as crianças hoje demorem mais para aprender suas línguas maternas. Como pesquisador de PLN, isso para mim significa que por mais caóticas que sejam, as línguas humanas estão aí para serem aprendidas - inclusive por computadores.

Um comentário:

  1. Erick, na verdade a língua parece caótica só quando deslocada no tempo do observador, ou seja, as irregularidades de ontem são as regularidades de hoje.
    E tem uma coisa interessante que acontece também: se uma irregularidade é pouco usada, ela tende a se tornar "regular" através do "erro". Por exemplo, um verbo irregular pouco usado em inglês pode passar a ter uma forma regular. Já verbos irregulares bastante usados tendem a ser repetidos constantemente e, com o uso, eles tendem a permanecer na língua.
    É o que a linguística de corpus tem mostrado.

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